domingo, 24 de janeiro de 2010

REVILLON PÉ NO VIDRO

Era 1975, morávamos em uma vila no bairro da Vila Olímpia, certa noite os militares apareceram na calada da madrugada e levaram o vizinho da direta para um papinho no pau de arara, na noite seguinte ficaram todos apreensivos, pois vários haviam caído e certamente outros haveriam de cair, a campainha escolhida desta madrugada foi a de casa éramos muito pequenos não ouvimos nada, na manhã seguinte ficamos sabendo que haviam levado papai para visitar o Wlado, no tal do DROPS, achávamos que se tratava de algo doce, o que eles procuravam era uma grana vinda de Moscou para a revolução, do “Alcool”, que o vizinho havia pedido para papai guardar, mal eles sabiam, parte do dinheiro havíamos bebido, é que papai guardou parte do dinheiro na caixa d’água para os milicos não acharem, o envelope não resistiu e acabamos bebendo o dinheiro, o resto eles levaram e dá-lhe pau de arara.
Não acredito em revoluções e sim no auto conhecimento, na evolução cultural, no conforto espiritual, no poder transformador do capital com regras mais humanas e transparentes, no fortalecimento das instituições, na imprensa livre, no cumprimento das leis, na cidadania, no coletivo e na democracia, deixemos os “ismos” de lado.
Para aliviar o clima Marcão outro vizinho resolveu  levar eu meu irmão  juntamente com seu filho para conhecermos o litoral norte estavam abrindo a estrada Rio Santos ele era jornalista do Estadão, havia lido uma matéria sobre a estrada e resolveu nos levar para conhecer o paraíso.
Pouca coisa existia da “Estrada do Lama” a maior parte do trajeto era feita pela praia, uma enorme aventura para quem tinha pouca idade como nós, visitamos algumas praias semidesertas, ocupadas por nativos pescadores, chovia muito, mesmo assim tivemos sorte em comprar um peixe para comer, a única sujeira que se encontrava no local eram víceras de peixes, limpos ali mesmo na praia com faca de ferro enferrujada amolada na madeira da canoa, montamos nossa barraca na areia, ascendemos uma fogueira para assar o peixe e fomos dormir sem comer nada, Marcão era mineiro e mineiro sabe como é não é muito chegado a peixe, uai, achou toda aquela falta de higiene havia ido longe demais.
Na manhã seguinte acordamos esfomeados, era domingo ainda não haviam inventado padaria por ali, ficamos roncando e frustrados pelo cação, seguimos enfrente de volta para São Paulo.
Três anos mais tarde papai cansado de tanta revolução e pouco resultado, resolveu visitar conosco aquele lugar que começava a  despontar nos cadernos imobiliários e que viria trinta anos depois se tornar o metro quadrado mais caro do litoral paulista, papai teve visão comprou um pequenino terreno de um pescador, com quem até hoje aprendemos muitas lições sobre a natureza, à situação do nativo brasileiro ruiu como quase tudo no país, e ainda tem gente com saudades da gestão militar, mas isso é um livro aparte.
Davino, meu amigo, filho do pescador de quem papai comprou o terreno é piloto de caminhão da limpeza pública, bom observador do céu, do mar, da terra e do bicho homem.
Este ano, tive a oportunidade de passar o reveillon na praia, pude reencontrar velhos amigos que nos ensinaram a caçar, matar um peixe, cortar palmito na mata, visitar a tribo indígena, tomar banho de cachoeira, apanhar jaca no , mergulhar com os peixes, bater  bola na praia , surfar a beça, muito luau com a mulherada, buscar camarão de canoa em alto mar das traineiras que pescavam, era escambo puro levávamos um cacho de banana  um litro de cachaça e trazíamos a canoa cheia de camarão, na volta passávamos na ilhota para retirar mariscos, um dia a canoa virou achei que íamos nos afogar, depois do pânico meu amigo nos mostrou que canoa mesmo fazendo água não afunda, é desvirar e sair remando com certa técnica, enfim muito contato com a natureza, muito respeito com quem assopra o vento com quem sabe ouvir o barulho do mar, oh o mar, quando quebra na praia é o canto da sereia, quem vem pra beira do mar nunca mais quer voltar.
È muito interessante como esses nativos ignorantes, que nunca foram à escola, não sabiam ler nem escrever, sempre souberam respeitar a natureza, as matas, os rios, os peixes, as árvores enfim todo o meio ambiente, caiçara não jogava lixo na praia, talvez por isso tenham chamado meu amigo para exercer essa nobre função.
Meia noite, ultimo dia do ano, é hora de levar minha filha para ver a queima de fogos na praia, a procissão vai começar, gente de todo lado vem descendo o morro pelas alamedas escuras lotando a praia para ver as luzes cortando o céu, nos clareando de esperanças para o inicio de um novo tempo. Terminado os fogos, minha filhotinha fica curiosa em saber porque tanta gente se dirige ao mar para pular ondinha, ascender velas na areia, agredir a natureza atirando lhe flores; papai quem vai limpar toda essa sujeira; o mocambo filha, com o caminhão da prefeitura. Na cabecinha dela é difícil entender pois todos os dias, após usarmos a praia, ela recolhe qualquer papel, palito de sorvete ou sujeirinha que está a nossa volta, deixamos a praia melhor do que a encontramos então como levar aquela infinidade de garrafas de champanhe, copos de vidro, latas, velas, flores, lixo e mais lixo no meio de tanta gente descalça e largar tudo para trás?
Esse ano, devido a crise ficamos todos com a impressão que a queima de fogos teve duração menor, que havia menos pessoas na praia, porém o estrago foi maior, na manhã seguinte as oito horas eu estava na praia para minha caminhada matutina, a praia estava linda, límpida e deserta, não parecia ter havido festa por ali, fiquei com a impressão de que nós seres humanos estamos melhorado não sujamos a praia tanto assim estamos mais respeitosos com a natureza, estamos mais alinhados com a questão do carbono, parabéns para  essa geração “Y”, mais consciente e moderna não nas tatuagens no braço e nos piercing na boca, e para prefeitura que mandou muito bem, mas infelizmente tudo não passou de miragem a não ser a parte da prefeitura.
Mais tarde reunido o comitê da limpeza revelou-se o seguinte:  ano passado foram retirados dos três quilômetros de praia  na noite de reveillon, quatro caminhões de lixo, este ano, foram retirados oito caminhões um deles com garrafas de champanhe e muitas delas quebradas uma quantidade muito grande de cacos de vidro, durante dias ainda era possível caminhar na praia e encontrar cacos de vidro escondidos na areia, o que falar, que adjetivos nos atribuir?
Todo esse lixo retirado do nosso litoral é levado por carretas que vão derramando chorume do lixo pelas estradas contaminando águas até chegar à cidade de Tremembé, no interior do estado, a natureza agradasse chorando, cada vez temos que levar o lixo para mais longe não tem mais lugar pra lixo neste planeta, ou encontramos outro logo, ou acabamos com o lixo, tem gente preocupada com a sacolinha de plástico ela agora é a vilão da vez e por falar em acabar com o lixo tenho uma ótima solução que é a desintegração de qualquer matéria através da fusão do gás de plasma, escrevi sobre isso anteriormente, tenho um passageiro que quer construir a primeira usina de lixo no Brasil, por que será que ninguém se interessa? Fiz essa pergunta para minha filha de sete tons; do, re, mi, fá, sol, , si, e ela respondeu:
- Papai, se fizerem a isso, quem vai desligar a máquina?

Fabio Taxi